Polêmica sobre blog levanta debate sobre projetos na web

O jornal O Globo publicou reportagem neste domingo (20/3) que mostra que a polêmica sobre o projeto “O Mundo Precisa de Poesia”, da cantora Maria Bethânia, envolve dois assuntos importantes: a desvalorização de projetos na internet – e a falta de incentivo específico para projetos culturais na rede – e as distorções da Lei Rouanet.

“Existe uma ideia equivocada de que só se pode ter coisas toscas na internet. Quando o (antropólogo) Hermano Vianna me procurou para falar do projeto, a ideia era que qualquer um pudesse ter acesso a um material de qualidade”, disse Andrucha Waddington, diretor dos 365 vídeos que o projeto prevê a serem lançados diariamente em um blog. “Uma coisa é você postar uma poesia em seu blog. Outra é você fazer um vídeo conceitual por dia com uma artista como a Bethânia. Nossa proposta é que cada filmete tenha relação com o dia da semana, do mês ou do ano em que vá ao ar. E tudo isso será colocado na rede de forma gratuita e para uso de domínio público.”
Os orçamentos para projetos de internet inscritos no MinC variam muito. De acordo com a assessoria técnica da pasta, muitos chegam a ultrapassar R$ 1 milhão. É o caso do site Porta Curtas, de divulgação de curtas-metragens nacionais. A última proposta do Porta Curtas na Lei Rouanet foi autorizada a captar recursos em 31 de janeiro deste ano, no valor de quase R$ 1,5 milhão.
Mas a maioria dos proponentes solicita verbas inferiores. Em 15 de fevereiro, o Portal Tela Brasil, site de divulgação audiovisual, recebeu autorização para captar R$ 434 mil. Em 25 de fevereiro, o projeto Fluxus – Festival Internacional de Cinema na Internet, de exibição de curtas nacionais e internacionais, teve aprovada uma proposta de R$ 252 mil. Pouco depois, em 16 de março, o projeto Artedigital.br, um banco de dados sobre a arte digital brasileira, recebeu um parecer favorável de R$ 303 mil.
“O problema é que o debate é distorcido. As pessoas não olham para o conteúdo produzido, não olham para o que aquele dinheiro está de fato remunerando. As pessoas só olham para o fato de ser na web e para o valor”, diz Oona Castro, diretora-executiva do Instituto Overmundo, que tem como missão a promoção do “acesso ao conhecimento e à diversidade cultural no Brasil”.
Hoje, a Lei Rouanet prevê sete áreas para incentivo fiscal: artes cênicas, artes integradas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Nenhuma delas é sobre internet, tanto que o projeto “O Mundo Precisa de Poesia” foi inscrito na rubrica do audiovisual.
“Disso tudo, vejo duas discussões salutares. A primeira é a supervalorização de projetos para outros meios e a desvalorização de projetos na internet. A outra são algumas distorções da Lei Rouanet, que levam as empresas a buscar projetos com artistas famosos para valorizar sua marca e ainda se beneficiarem do incentivo fiscal”, afirma Oona.
Para o ensaísta e pesquisador Frederico Coelho, são dois os universos que estão em impasse. De um lado, a geração que está há dez anos na internet, pensando formas colaboracionistas e que não precisa de orçamento milionário. É uma geração em que a própria pessoa é o autor, o editor e o distribuidor. Do outro, os produtores de conteúdo que estão descobrindo que vão ficar para trás se não dialogarem com a web.
“Eles trazem os formatos de produção de suas áreas, com equipes caras, grandes orçamentos. Nesse momento, dizer para aquela geração da internet que é preciso R$ 1,3 milhão para fazer um projeto de vídeo na web é inaceitável. São universos ainda um pouco inconciliáveis, e por isso o diálogo é tão truncado”, diz Coelho.
O editor Sergio Cohn, da Azougue, que tem aprovado no Fundo Nacional de Cultura – um mecanismo de apoio direto do governo a projetos culturais – investimentos para o portal Poesia.br, acha que o incentivo ao conteúdo brasileiro na web deveria ser maior. “A língua portuguesa tem perdido espaço na internet. O Brasil tem que tomar seu espaço na web a partir de políticas que levem conteúdo para a rede. É importante, por exemplo, a digitalização de arquivos, que ficam acessíveis a qualquer pessoa” explica.
Sobre o custo de um projeto na rede, Cohn lembra que é preciso levar em conta a distribuição: não basta ele chegar à internet, tem que ganhar visibilidade. “Há todo um trabalho de torná-lo visível, de permitir localizá-lo na web. E, para isso, são necessárias inteligências caras. Quanto mais o projeto trouxer soluções originais e eficientes, mais elas poderão ser replicadas e maior será o retorno cultural”, acredita.

 

Fonte: http://www.balaiodefatos.com/2011/03/polemica-sobre-blog-levanta-debate.html